quinta-feira, 18 de abril de 2013

Eu não briguei com Deus


               Quando eu era criança minha família frequentava a Igreja Católica. Mas lá em casa ser católico não era (só) dizer-se católico e ir à missa aos domingos: meus pais estudavam muito sobre religião, participavam de pastoral, faziam palestras em encontros de casais e todas essas coisas. Eu e meus irmãos sempre íamos juntos a esses movimentos, eles sempre nos explicavam como funciona a Igreja: éramos praticamente ratos de sacristia. Tínhamos uma coleção de livros infantis chamada “Alice no país da Bíblia” para realmente conhecer as histórias da bíblia e, mais do que isso, para entender todo o significado da expressão “Sou Católico”. Meus pais – particularmente minha mãe – eram especialmente inclinados à teologia da libertação e por isso fui educada nos pressupostos dessa Teologia. Nada era “é assim e pronto”, a gente sempre aprendeu a questionar e a buscar respostas dentro da própria religião. “A Igreja é santa e pecadora” – dizia minha mãe – “porque ela é feita de homens que são pecadores e de Deus, que os perdoa apesar de tudo”. Minha família, embora não seja toda ela católica, é muito religiosa e as crenças (e principalmente as atitudes frente a elas) são sempre muito presentes.


Aprendi que o verdadeiro sentido de ser cristão é doar-se. Aprendi que é necessário “fazer o bem sempre, fazer o bem a todos; o mal nunca, a ninguém”. Cresci ouvindo (e mais que isso) me orientando em “pra hoje tem, pra amanhã Deus dá”, “se Deus quiser”, “vá/fique com Deus”, “graças a Deus”, “durma com os anjos” e coisas do gênero. Isso para mim era tão parte de mim que eu cheguei a cogitar ser freira. Conheço a bíblia, sei responder algumas de suas contradições, conheço os ritos e os mistérios da Igreja. Sei as respostas e as orações, sei dezenas de músicas religiosas, tenho na ponta da língua algumas passagens bíblicas.

Por isso, quando eu falo que sou ateia não é porque eu “não conheço Deus”.

Sim, sou ateia. É mais do que não tenho religião, é que realmente não acredito em um Deus onipotente, oniciente e onipresente. O Dawkins tem uma espécie de tabela que iria entre o que tem absoluta certeza da existência divina até a absoluta certeza de sua inexistência (ou entre o 100% religioso até o 100% ateu). Eu me situo mais perto do último, mas não chego a dizer que sou 100% ateia simplesmente porque sou cientista (e por isso muito mais cartesiana do que gostaria) o que faz com que eu mantenha sempre a dúvida como possibilidade – pode ser que deus existe, mas não existem provas suficientes para que eu aceite isso como uma realidade e que oriente minha vida por isso. “Isso é a fé”, poderiam dizer alguns que acreditam. Concordo, a fé é exatamente isso: acreditar apesar das evidências, acreditar nos mistérios; mas entendo que a vida é muito mais fácil quando conhecemos a realidade para além dos mistérios e muito verdadeira quando abrimos mão das respostas prontas e construímos uma forma diferente de estar no mundo. Acho muito improvável que esse deus religioso exista. Tenho gostado um pouco do Deus de Espinosa simplesmente porque nele o nome Deus não diz nada do que usualmente pensamos, não é um deus com uma consciência própria: é uma substância que não está fora da natureza, mas é a própria natureza;

Já me disseram coisas do tipo “ah, eu entendo. A morte da sua mãe foi difícil, Deus te perdoa por esse momento de fraqueza”. Mas não, eu não briguei com Deus. Nessa época eu até queria acreditar; na verdade eu demorei um tempo para assumir para mim mesma que era ateia porque isso implicava em milhares de coisas com as quais eu ainda não conseguiria lidar. Hoje eu penso que a vida é muito mais importante que a morte, simplesmente porque é só isso que temos. Eu disse só?! É tudo isso que temos! São todas as possibilidades, tudo o que existe de incrível, de tocante, de profundo, de intenso. Eu nunca vou aceitar que o objetivo da vida é esse encontro derradeiro com a morte e o além-vida; a vida é potência, é expansão. É o que fica nos outros, o que fica de nosso no mundo depois que a morte nos leva. É o que nos marca antes da morte chegar, os encontros (e desencontros), são os sonhos, os planos, os desejos, os medos, as coragens. São também as lágrimas e as quedas, tanto quanto os suportes e às vezes que a gente consegue se levantar. Eu não briguei com Deus, eu fiz as pazes com o mundo e comigo mesma. Eu não o amaldiçoo ou o odeio, eu simplesmente não acredito. E também não tenho medo de ir para o inferno porque, olha só, não acredito nisso também. Não acredito em benefícios ou punições eternas porque acredito apenas na eternidade do instante, uma coisa que não tem quase nada a ver com tempo – principalmente com o tempo depois da minha morte.

Eu mantenho algumas tradições. Comemoro o natal – inclusive com enfeites na casa, que adoro. Faço bacalhau na sexta-feira santa. Sinto-me bem em Igrejas, porque é um ambiente que lembra minha infância e há poucas coisas que são tão acalentadoras quanto estar em um lugar que te remete a uma época em que as coisas eram tão mais fáceis. Por mera força do hábito digo “graças a Deus”, embora já consiga trocar o “vá com Deus” por “se cuida” ou coisa do tipo. Tenho um amigo que diz que eu saí do cristianismo, mas ele não saiu de mim: em partes ele tem razão. Ainda carrego algumas culpas desnecessárias e a cada dia tento deixar isso para trás. Mas também foi por meio da Teologia da Libertação que aprendi desde cedo sobre a necessidade de transformação desta realidade, e também tenho alguns traços e formas de ver a vida e de me relacionar com o outro que talvez venham da religião e que não quero abrir mão; ainda penso, por exemplo, que “fica sempre um pouco de perfume nas mãos que oferecem rosas, nas mãos que sabem ser generosas”. 

Não acordei um dia e disse “ah, cansei de brincar disso, agora vou ser ateia”. Muito menos sou porque é moda, porque meus amigos são, porque Marx e Espinosa dizem que a religião é ruim. Sou depois de muita reflexão, muita dúvida, muitas conversas com pessoas que acreditam e com pessoas que não acreditam. Eu não acho que sou superior a quem acredita em Deus ou tem uma religião. Eu não sou superior a ninguém, mas também não admito que alguém se diga superior a mim. Odeio – já odiava quando era religiosa – gente que diz que “ateu é à toa” porque acho abominável julgar alguém com base em apenas em um aspecto da vida dela (olha só, talvez isso seja também um resquício da religião em mim: só Deus – dizem os religiosos, embora muito poucos o façam – tem o direito de julgar). 

Eu poderia passar páginas dizendo o porquê sou ateia e justificando essa minha posição, até porque não foi uma decisão que tomei da noite para o dia. Mas resumindo, eu deixei de acreditar porque as respostas que vêm com essa crença não me são mais suficientes. Então, é isso: eu não briguei com Deus, até porque não teria o menor sentido brigar com alguma coisa que eu não acredito que exista.

2 comentários:

  1. Lívia minha grande amiga, sabes que eu compartilho de seu pensamento, só que não! há! Religião...religião não, creio que acreditar em um Deus seja algo pessoal hoje em dia, algo que nem todos tem total discernimento do que a figura de um Deus cristão quer dizer, pois vivemos em uma sociedade hipócrita, onde muitas vezes um ateu é mais humano que um cristão. Eu não sei o que eu sou, ainda não está claro no que eu acredito, sinceramente creio ter uma poa distinção do certo e o errado, e por esse caminho direciono os meus atos. Acredito que a moral, o que é justo e o que é justiça em uma sociedade vem das necessidades destas, por exemplo o que é bulling? em nossa época isso era apenas brincadeira de criança, mas algumas doenças criadas pela sociedade deixaram essas brincadeiras tão extremas e os jovens ficaram tão frágeis ao mesmo tempo, que uma simples piada sobre o peso pode traumatizar alguém por toda sua vida(como sempre desviei do assunto). Enfim, quando vc diz que ta mais próxima do 100% ateu, eu digo que estou em cima do muro, pois toda vez que estou em apuros eu rezo, toda vez que estou em apuros , eu bato de frente e tento agir. Assim como choro em uma novena ou missa do santíssimo ao cantar ou encostar em uma cruz. O que me da forças e me tira desses "apuros"? Sei lá, e isso me deixa em cima do muro, foi meu esforço? foi um pensamento coletivo do momento(em uma missa) que me deu forças pra seguir? Foi sorte? mas também não acredito em papai noel...cade o msn Lévia? ahuauhauha

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Lincoln, saudades de você!!!!!!
      Mas é o que eu disse: pra mim não serve. No começo do ano eu tive que fazer uma cirurgia pra tirar a vesícula. Teve um momento, quando eu tava no pré-operatório, que eu me perguntei: será que não ia ser bom se eu rezasse? Poxa, a maior parte da minha vida isso me confortou, e eu tava sozinha, bastante tensa e preocupada, com medo mesmo... talvez rezar ajudasse! Mas sabe que quando eu pensei isso eu não vi sentido em rezar e acho que foi um dos momentos que eu tive certeza dessa minha forma de pensar. Então, é isso: por motivos vários, eu não vejo mais sentido em acreditar em Deus, não me serve. Mas acho que isso não me impede - muito pelo contrário! - de ser uma pessoa boa e, mais do que isso, não tem motivos para que eu deixe de conviver com quem acredita, em Deus ou mesmo em uma religião. Ao menos não por minha parte, porque tem pessoas que se afastaram de mim porque eu sou 'pecadora'...rs... mas tenho amigos ateus, religiosos, agnósticos, católicos, espíritas, enfim, não quero dizer que a minha verdade é a única...
      Enfim, precisamos conversar isso pessoalmente! hahahaha
      Eu to sem computador, por isso msn vai demorar... =/

      Excluir