quinta-feira, 1 de julho de 2010

Previsão do tempo

Previsão de tempo para Campo Grande: Sol com algumas nuvens. Não chove.
Como assim, não chove? O tempo já tá mais do que seco, respirar tem se tornado uma das atividades mais desgastantes e cansativas que se pode realizar. Mas assim que abro o navegador da internet é a primeira notícia que me aparece. Ao lado do meu computador tem um pequeno aquário, com conchas que trouxe de uma viagem à Maceió (numa tentativa meio infantil, meio romântica de ter o mar perto de mim); olho para elas e quase as escuto me maldizerem por trazê-las para um lugar em que nem o ar tem um resquício de água. Em cima delas há um desses chaveiros de lembrança no formato de um barquinho e só consigo pensar que se trata do Galeão achado por José Arcadio Buendía e que estava misteriosamente longe do mar. Mas o meu não está cercado por orquídeas, só por poeira. Que desisti de tirar porque ela é mais rápida e disposta que eu. A poeira, aliás, é um mistério à parte na minha vida. No meu quarto, mais especificamente: assim que eu limpo com um pano úmido e todo o cuidado que uma Amélia teria, ela retorna e passa a ocupar os mesmos espaços. Se passo dias e dias sem nem olhar ela fica lá, com a mesma espessura fina como se há poucos minutos tivesse se posto naquele lugar. Nem a poeira muda.
Ao lado das conchas e do galeão está um retrato, única coisa que não suporto ver empoeirada. Por isso está cheio de dedos e marcas, mas sem uma única poeira. A poeira dá um ar de descuido que não suportaria ver na foto. Tem coisas que não devem ficar no passado, ainda que a vida insista nisso. Por isso fazemos de conta que continuam ao nosso lado, ativos participantes de nossas vidas, nossos sonhos. E de nossos medos, também. Mas é um retrato que, por definição, fica parado. Fazendo de conta que não se importa, ao lado do retrato, um pequeno palhaço veneziano faz uma pose que lembra de longe um sorriso, mas o olhar perdido dele me faz ter certeza que ele tá com tanta dificuldade de respirar como eu. Até as flores de uma caixinha que tem abaixo do porta-retratos parecem secas. Se não fossem de metal juraria que a pobre borboletinha que as acompanha já seria uma ótima companhia para as minhas queridas borboletas do Museu do Índio, que nem sei como devem estar porque ainda não fui visitá-las desde que mudaram de endereço.
Olho em volta e tudo está assustadoramente igual à ontem. E antes de ontem. O que é estranho, porque ontem tinha uma montanha de roupas que, tenho certeza, passei hoje pela manhã. As roupas não estão lá, mas parece que nunca estiveram. Os livros que estão fora do lugar são os mesmos de sei lá quando e os que estão no lugar parece que nunca foram mexidos; mesmo que tenha arrumado todos os meus papéis e tenha começado a ler um livro há três dias. Meu computador quebrou no último domingo, mas parece que sempre foi desse jeito. E parece que vai ser assim pra sempre. Sei exatamente o que está passando na televisão, e o que vai passar depois. Sei tanto que prefiro ficar de costas para ela; mas deixo ligada porque além de tudo ainda ter o silêncio seria meio enlouquecedor. Acho que sem o barulho da televisão ouviria as conchas, melhor não arriscar. Quase tenho a impressão que venta, o que seria ótimo pra ter a impressão que alguma coisa realmente acontece; mas o mensageiro dos ventos está absurdamente quieto.
Além de não chover, não venta.
Olho em volta novamente. Procuro alguma coisa que me chame a atenção, algo que me distraia, algo diferente: nada. Tudo exatamente igual. Parado. As fotos do mural estão tão longe da minha vista como parecem estar da minha memória. Novamente parafraseando Gabriel García Márquez, tentando recompor os tantos estilhaços dispersos do espelho quebrado da minha memória. E nesse espelho quebrado minha formatura fica ao lado de uma Virada Cultural, um dia de Jornada Acadêmica no LAC meio por cima de uma foto de uma festa que aconteceu uns três anos depois, uma borboleta que era pra trazer sorte brilha por cima de uma foto dentro de um carro. Por um segundo tenho a impressão que a mesma poeira que cobre minha mesa esta começando a subir pelo meu corpo. Me mexo na cadeira, por garantia. Escuto a noticia de um furacão; só pra no momento seguinte ouvir que o tempo continua seco na maior parte do país.
Como em Campo Grande.
Como em Campo Grande que não chove, que não venta, que não acontece absolutamente nada.
Tomo uma decisão: vou dormir. Quem sabe amanhã não chove?

Um comentário:

  1. Ta chovendo e ta frio!! As coisas acontecem sim!
    Eu iria postar uma do oswaldo que se encaixa! mas sei que vc gosta de teatro mágico tb!
    O Anjo mais Velho
    ...
    Metade de mim
    Agora é assim
    De um lado a poesia, o verbo, a saudade
    Do outro a luta, a força e a coragem pra chegar no fim
    E o fim é belo incerto... depende de como você vê
    O novo, o credo, a fé que você deposita em você e só...
    -=--=
    OFFTOPIC: No sentido literal! adoro dormir ouvindo raios e trovões! sei la, me da uma tranqüilidade, seria como uma melodia perfeita para mim, o choque de duas nuvens como dois tenores! e para finalizar um ráio rasgando o céu causando um vácuo por onde passa como a voz de Jannis Joplin em Summertime! Eta! E ainda to sóbrio eim? ouça essa música
    http://www.youtube.com/watch?v=A27FF2T2z2k
    do tempo onde o homem não dava um dia ao rock e sim toda sua vida!(aind revoltado por existir #diadorock)

    ResponderExcluir