Tenho com as Igrejas – o espaço
físico delas – uma relação quase contraditória. Porque já não acredito na
santidade delas mas é um ambiente que me conforta. As músicas, as palavras, os
rituais.... essas coisas me dão uma sensação de estabilidade que encontro em
poucos lugares, ainda que já não veja sentido neles. Eu sei o que fazer, o que
dizer, porque fazer ou dizer e é quase como se pudesse controlar todas as
situações e isso é incrivelmente confortante. Sem contar o fato de ter passado
grande parte da minha infância em diversas Igrejas, então é quase como estar em
casa.
Mas isso não faz com que eu
frequente as Igrejas, muito pelo contrário. Já há muito tempo só vou a Igrejas
em ocasiões especiais; mas acho curioso que ainda alguns ritos de quando era
Católica. Por exemplo, como me comportar quando entrar em uma Igreja. “Você
está vendo aquela luz acessa ali na frente?” – ainda hoje eu quase escuto minha
mãe dizer – “Significa que Jesus está lá. E devemos nos ajoelhar e abaixar os
olhos diante de Deus”. Aprendi isso quando era criança: ao entrar em uma
Igreja, deve-se procurar o Sacrário e lembrar que diante de Deus se abaixam os
olhos e se dobram os joelhos. Mesmo sem acreditar mais que há nas Igrejas um
Santíssimo, ainda continuei abaixando a cabeça por um quase automatismo no qual
parecia que meu corpo sabia exatamente o que deve ser feito e porque deve ser
feito.
Ultimamente tenho entrado em
muitas Igrejas. Como disse, ocasiões especiais: o que aqui significa também um
senso estético e histórico: tem muitas Igrejas lindíssimas e antiguíssimas na
Europa. Aqui em Madrid algumas das mais antigas ficam perto de onde vivo então
volta e meia acabo entrando em uma delas. Sem contar que o fato de ser um lugar
quente e com bancos é especialmente atrativo quando se sai para andar no
inverno madrilenho (que não é o pior, mas é o suficiente pra me fazer ter
certeza de que sou uma legítima e orgulhosa filha do calor que só o cerrado
sabe ter). Talvez tenha abaixado a cabeça na maior parte das vezes que entrei
em alguma delas: automatismo. Mas foi só quando visitei a catedral de Colônia,
na Alemanha, que percebi que ainda fazia isso.
Não tenho palavras para descrever
a beleza que vi nesse dia. Ainda dentro da estação de trem, quando comecei a
entrevê-la, fiquei de boca aberta (literalmente). Lembro de alguém ter me dito
que as Igrejas Medievais eram grandiosas para que o homem se sentissem pequenos
diante de Deus. Sem dúvida, me senti um quase nada assim que eu vi: tantos
detalhes, tanta grandiosidade, tanta beleza... tanta história – a Igreja
começou a ser construída no século XIII! Os detalhes, as esculturas, os arcos
que decoram o portal de entrada... e, quando entrei, a primeira coisa que fiz
foi abaixar a cabeça.
Quando percebi que tinha feito
isso, pensei “Lívia! Por que você tá abaixando a cabeça?” (eu brigo comigo
mesma em pensamento às vezes. É um pouco idiota, mas necessário). Imediatamente
levantei os olhos e o que vi é impossível transformar em palavras (inconsciente
e arte, porque mesmo passeando a gente não para de criar elementos para fazer a
tese). Quer dizer, eu podia tirar fotos e enviar para todos que conheço, mas
nada chegaria perto do que é estar diante daquela construção.
Minha mãe não me ensinou só
coisas sobre religião, ela me ensinou também o gosto pela poesia – e foi ela
quem me presenteou com Perguntas de um Operário Letrado. Então logo comecei a
pensar nas incontáveis vidas que passaram por lá – quantos senhores feudais e
servos, quantas histórias de amor e de poder, quanta política, quantos
turistas, crentes, descrentes, trabalhadores, ricos, pobres, quanta coisa
aconteceu enquanto aquelas paredes estavam sendo erguidas! Quanta coisa mudou
nesse período, quanta coisa aconteceu em volta daquele lugar que parece um
refúgio contra o tempo! Foi quando deixei de abaixar a cabeça diante de Deus
que ergui os olhos para o trabalho de milhares de homens e mulheres. Foi
impossível não pensar em tantas pessoas que tiveram suas vidas encerradas para
fazer aquele lugar que hoje parece ter sido esquecido por Chronos (quão pecado
é fazer referência a um Deus grego em uma Igreja Católica?!). Comecei a pensar
nas vidas que se fizeram em torno daquela obra, dos milhares de homens e
mulheres que são parte daquelas paredes, cujo trabalho quase alcançou o céu,
cujos dedos moldaram tantos e tão ricos detalhes, cujo sangue colore aqueles
vitrais. Não foi Deus quem ergueu aquelas paredes, aquelas torres. Deus não
carregou aquelas pedras e as moldou até que ficassem tão reais que parece que a
qualquer momento podem sair andando.
Não estou – aqui – dizendo que
Deus não existe. Você pode acreditar que foi em nome de Deus e com a benção
Dele que aquilo tudo foi construído. Pode até pensar que se Ele não quisesse o
Homem não teria feito. Mas, ainda que o homem tenha sido só a mediação entre o
desejo de Deus e a obra Dele, Deus precisou do homem para fazer aquela Igreja.
Deus precisa do homem para fazer o mundo.