terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Santificada seja a humanidade

Tenho com as Igrejas – o espaço físico delas – uma relação quase contraditória. Porque já não acredito na santidade delas mas é um ambiente que me conforta. As músicas, as palavras, os rituais.... essas coisas me dão uma sensação de estabilidade que encontro em poucos lugares, ainda que já não veja sentido neles. Eu sei o que fazer, o que dizer, porque fazer ou dizer e é quase como se pudesse controlar todas as situações e isso é incrivelmente confortante. Sem contar o fato de ter passado grande parte da minha infância em diversas Igrejas, então é quase como estar em casa.
Mas isso não faz com que eu frequente as Igrejas, muito pelo contrário. Já há muito tempo só vou a Igrejas em ocasiões especiais; mas acho curioso que ainda alguns ritos de quando era Católica. Por exemplo, como me comportar quando entrar em uma Igreja. “Você está vendo aquela luz acessa ali na frente?” – ainda hoje eu quase escuto minha mãe dizer – “Significa que Jesus está lá. E devemos nos ajoelhar e abaixar os olhos diante de Deus”. Aprendi isso quando era criança: ao entrar em uma Igreja, deve-se procurar o Sacrário e lembrar que diante de Deus se abaixam os olhos e se dobram os joelhos. Mesmo sem acreditar mais que há nas Igrejas um Santíssimo, ainda continuei abaixando a cabeça por um quase automatismo no qual parecia que meu corpo sabia exatamente o que deve ser feito e porque deve ser feito.
Ultimamente tenho entrado em muitas Igrejas. Como disse, ocasiões especiais: o que aqui significa também um senso estético e histórico: tem muitas Igrejas lindíssimas e antiguíssimas na Europa. Aqui em Madrid algumas das mais antigas ficam perto de onde vivo então volta e meia acabo entrando em uma delas. Sem contar que o fato de ser um lugar quente e com bancos é especialmente atrativo quando se sai para andar no inverno madrilenho (que não é o pior, mas é o suficiente pra me fazer ter certeza de que sou uma legítima e orgulhosa filha do calor que só o cerrado sabe ter). Talvez tenha abaixado a cabeça na maior parte das vezes que entrei em alguma delas: automatismo. Mas foi só quando visitei a catedral de Colônia, na Alemanha, que percebi que ainda fazia isso.
Não tenho palavras para descrever a beleza que vi nesse dia. Ainda dentro da estação de trem, quando comecei a entrevê-la, fiquei de boca aberta (literalmente). Lembro de alguém ter me dito que as Igrejas Medievais eram grandiosas para que o homem se sentissem pequenos diante de Deus. Sem dúvida, me senti um quase nada assim que eu vi: tantos detalhes, tanta grandiosidade, tanta beleza... tanta história – a Igreja começou a ser construída no século XIII! Os detalhes, as esculturas, os arcos que decoram o portal de entrada... e, quando entrei, a primeira coisa que fiz foi abaixar a cabeça.
Quando percebi que tinha feito isso, pensei “Lívia! Por que você tá abaixando a cabeça?” (eu brigo comigo mesma em pensamento às vezes. É um pouco idiota, mas necessário). Imediatamente levantei os olhos e o que vi é impossível transformar em palavras (inconsciente e arte, porque mesmo passeando a gente não para de criar elementos para fazer a tese). Quer dizer, eu podia tirar fotos e enviar para todos que conheço, mas nada chegaria perto do que é estar diante daquela construção.
Minha mãe não me ensinou só coisas sobre religião, ela me ensinou também o gosto pela poesia – e foi ela quem me presenteou com Perguntas de um Operário Letrado. Então logo comecei a pensar nas incontáveis vidas que passaram por lá – quantos senhores feudais e servos, quantas histórias de amor e de poder, quanta política, quantos turistas, crentes, descrentes, trabalhadores, ricos, pobres, quanta coisa aconteceu enquanto aquelas paredes estavam sendo erguidas! Quanta coisa mudou nesse período, quanta coisa aconteceu em volta daquele lugar que parece um refúgio contra o tempo! Foi quando deixei de abaixar a cabeça diante de Deus que ergui os olhos para o trabalho de milhares de homens e mulheres. Foi impossível não pensar em tantas pessoas que tiveram suas vidas encerradas para fazer aquele lugar que hoje parece ter sido esquecido por Chronos (quão pecado é fazer referência a um Deus grego em uma Igreja Católica?!). Comecei a pensar nas vidas que se fizeram em torno daquela obra, dos milhares de homens e mulheres que são parte daquelas paredes, cujo trabalho quase alcançou o céu, cujos dedos moldaram tantos e tão ricos detalhes, cujo sangue colore aqueles vitrais. Não foi Deus quem ergueu aquelas paredes, aquelas torres. Deus não carregou aquelas pedras e as moldou até que ficassem tão reais que parece que a qualquer momento podem sair andando.
Não estou – aqui – dizendo que Deus não existe. Você pode acreditar que foi em nome de Deus e com a benção Dele que aquilo tudo foi construído. Pode até pensar que se Ele não quisesse o Homem não teria feito. Mas, ainda que o homem tenha sido só a mediação entre o desejo de Deus e a obra Dele, Deus precisou do homem para fazer aquela Igreja. Deus precisa do homem para fazer o mundo.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Chego aos 30

Amanhã vai ser meu aniversário – em alguns minutos, na verdade. E aos 30 não se faz uma retrospectiva do ultimo ano: se dá uma mirada por toda a vida. O que consegui e o que perdi até agora. Os meus medos, as minhas coragens, os meus amores, os meus amigos, os meus planos... nos ultimos dias o tempo todo uma dessas coisas bateu na porta do meu coração, exigindo que eu pensasse calmamente no que aconteceu e no que isso significou, ou ainda significa.

Os medos. Alguns permanecem quase intocados: o medo de não conseguir, assim, no abstrato e encaixado em quase todas as situaçoes ainda é grande. Mas a coragem tem vencido ele. Ou ao menos andando ao lado dele, me mostrando que pode ser que eu não consiga, mas tudo bem: eu vou em frente. Mas há menos medo. Tem sido mais comum a sensação de que eu consigo enfrentar o que a vida me der: nos ultimos anos, quando a vida me desafiou eu acabei pagando pra ver e saí ganhando. Chego aos 30 com muito poucas certezas, mas aprendi que às vezes é preciso se perguntar “por que não?” e se não tiver uma resposta muito convincente simplemente arriscar.

Os meus amores. Penso que sou a rainha das declarações tardias: a mais emblemática foi uma vez que ele me disse que queria me ver, tinha gostado muito do que tinha acontecido entre a gente e eu fui concordando, pensando que a gente podia dar um jeito de contornar a distância... até que ele disse que não podia porque agora estava namorando. Fiquei extremamente irritada. Nesse dia tive certeza que declarações só devem ser feitas quando se quer saber do futuro: declarações do tipo “eu gostava de você, já não gosto” são de extremo mal gosto. Em mais de uma vez perdi o chão porque estava envolvida e levei um fora. Em mais de uma situação dei um fora porque não estava envolvida e, entre mortos e feridos, salvamo-nos todos: não tenho arrependimentos. Mas uma pessoa me disse que eu era sua alma gêmea. Eu estava para fazer uma grande mudança na minha vida, eu sabia o que isso significava, era (é) uma pessoa muito especial para mim e eu simplesmente tive medo. Tive tanto medo que fiz de conta que não entendi – é o único que às vezes me pego pensando no que poderia ter sido se eu tivesse feito outra coisa. A verdade é que no que tange aos sentimentos para mim é tudo muito intenso. E, como qualquer mulher solteira na minha idade, já passei por todo tipo de situação que me fez pensar em desistir disso. Mas tenho uma fé meio à la Poliana, então no fim das contas sempre seco a lágrima (sim, eu choro por homem, depois me odeio por isso e juro que nunca mais vou chorar) sacudo a poeira e vou adiante. E, nesse meio tempo, há sempre aqueles casos, casinhos, ocasiões, amores de transição... e, principalmente, os amigos para tornar a fossa suportável e aumentar a esperança de melhores amores.



Os meus amigos. Sou, sem a menor sombra de dúvida, uma pessoa privilegiada. Tenho amigos que nem mesmo a distancia separa. Conversas, vidas compartilhadas, problemas divididos, alegrias comemoradas... grandes amigos a quem confio a minha vida. Todas as palavras do mundo seriam poucas para demonstrar a importancia que eles tem na minha vida. Chego aos 30 sem poder ter o abraço de nenhum deles nessa data: mas não importa tanto porque todos os outros dias eles estão junto e logo estaremos também perto.

Os planos. Minha vida está absolutamente diferente do que imaginei que estaria. Mas não diferente-ruim. Sei exatamente onde estou e o que quero; e também o que fazer para chegar lá. Mas tambem tenho a serenidade de quem já sabe que os planos podem ser mudados no caminho e que a vida às vezes nos leva pra lados que nunca imaginamos estar... mas que também são explendidos. Não tenho absolutamente nada – nem carro, nem apartamento, nem sei onde vou estar morando daqui há seis meses. Também não tenho uma relação estável e embora ainda às vezes pense em ter filhos esse não é exatamente um plano. Mas isso não faz com que minha vida esteja ruim: eu estou em Madrid, conhecendo pessoas e lugares que nunca imaginei que conheceria, tendo experiencias que são inenarraveis. Crescendo e me conhecendo mais do que pensei que fosse possível. E, mais do que as respostas que pensava ter aos 20 anos, hoje sei que são as perguntas que realmente importam. Foi a dúvida que me trouxe até aqui. E por isso chego aos 30 simplesmente sabendo e sentindo que estou bem, que minha vida não está nos eixos porque a vida não é um trem para estar sempre em cima dos trilhos fazendo os caminhos de forma ordenada e segura. 


Chego aos 30 menos neurótica do que pensei que estaria. No fim das contas, é só um número: e eu e os números sempre nos demos bem.