segunda-feira, 11 de março de 2013

Três pequenas histórias de amor que terminaram antes de começar (e uma que já tinha passado da hora...)

Acontece que eu sou muito mais Caetano e você prefere o Chico, baby. Somos puro rock’in’roll, mas você insiste no melódico britânico enquanto eu fico com a dureza do americano. Você gosta do jazz cantado e eu acho que a beleza está nos arranjos improvisados, sempre atrapalhados pela voz, seja de quem for. Você gosta da literatura fantástica de Márquez, e eu fico com a dilacerante realidade de Llosa. Seus poemas são de Vinícius e os meus de Quintana. Concordamos com Neruda; mas eu pelos poemas de amor e canções desesperadas, você pela crítica ritmada da canção da América.
Olhando de fora somos iguais. Mas só nós sabemos como é difícil se fazer entender.

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Quando você acordar, não se esqueça de pegar suas roupas e também as coisas que ficaram na sala. Se puder, leve até seu cheiro. Tente não deixar seu perfume esparramado pela casa, me lembrando de tudo o que aconteceu, do que dissemos, do que sentimos. Não gaste meus batons com recados melosos e difíceis de limpar no espelho, nem esqueça propositalmente algum objeto que servirá como uma boa desculpa. Não deixe bilhetes, não retire nenhuma flor do lugar como se as deixasse para mim: as flores que tem na casa já são todas minhas, não preciso recebê-las novamente; tampouco quero novas, minha casa não é um cemitério para ter tantas flores juntas. Se gostou dessa noite guarde-a com carinho num canto quente do seu coração. Se não gostou será mais fácil, esqueça-a ou pense nela com um desdém de quem nem se lembra exatamente do que aconteceu. Não cumpra as promessas de me ligar, nem leve a sério as juras ditas e ouvidas, foram apenas força do hábito.
Faça tudo o que eu peço e não precisaremos perder nosso tempo com decisões e angústias. Faça isso porque me apaixono muito fácil. E não posso correr esse risco agora.


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Do baú de palavras guardado em seu corpo, ela sempre escolhia aquelas que achava que iam lhe agradar mais. Eram sempre palavras doces, cuidadosamente organizadas, e pensadas para que ele se deliciasse ao ouvir. Limpava-as, tirava as arestas, arrumava os detalhes. Evitava os detalhes por achá-los tristes; valia-se dos adjetivos por tomá-los como coloridos. Escondia em cada palavra um segredo: um sorriso que as inundava, deixava-as mais brilhante, mais leves. Caprichava nas entrelinhas, nos duplos sentidos, nas reticências... adorava as reticências porque elas deixam tudo aberto, mil possibilidades, uma melodia à espera de qualquer canção.
Era tudo tão pensado, tão planejado, tão escolhido e deixava tantas possibilidades! Ela só não sabia que ele ficava apenas com o que havia sido realmente escrito. Ele via as palavras duras, nuas, secas.
Ele via as palavras sem nenhum dos sentimentos que desejava encontrar.


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Tenho a impressão que te vi um dia desses. Você estava mais magro, e com aquele mesmo ar distante de quem nunca está junto com o próprio corpo. Tinha o mesmo cabelo preto (com o princípio de calvície que você tanto odeia), o mesmo porte atlético, a mesma mania de parar com as mãos cruzadas atrás do corpo. Apesar de tanto tempo, apesar de ser um lugar tão diferente, aquela cena parecia a repetição de tantas cenas parecidas que representamos naquela época de encontros casuais. Quando te vi percebi que era tudo muito igual ao que sempre tinha sido: eu e você caminhando, um em direção ao outro; você distraído, eu pensando, você olhando pra baixo, eu olhando pra dentro, algumas pessoas que não importavam em volta, a casualidade, enfim, tudo. A única coisa diferente naquele momento era eu. Eu que não ansiava mais por aquele encontro e que não senti meu coração disparar quando te vi.
Naqueles longos segundos da eminência do encontro pensei no que dizer, no que fazer, pensei até no que devia pensar. E foi num suspiro de certeza que percebi que o melhor a fazer era dobrar a esquina e fazer você passar pelas minhas costas sem notar que eu tinha cruzado seu caminho.  
Tem algumas coincidências que a gente não pode correr o risco de querer chamar de destino