De vez em quando eu acho que
aprendi a controlar a saudade.
Depois de evitar, de negar que sente,
de ignorar, de achar que ela vai te destruir, de achar que é ela quem te dá
vida, depois de ter absoluta certeza de que ela nunca vai passar a gente
aprende que tem algumas datas, alguns acontecimentos, alguns encontros que vão
trazer consigo toda a saudade do mundo. Aprende que na maior parte do tempo a
saudade fica quietinha num cantinho do nosso coração; às vezes ela dá uma
acordada – quando vem uma música, uma lembrança solta, uma foto – se espalha um
pouco, mas volta logo pro seu lugar cativo. E em algumas datas ela vai ganhar força
e tomar nosso coração e depois todo o nosso corpo e vestidos de saudade a gente
vai carregar um misto único de dor e alegria.
Ás vezes a dor é infinitamente
maior e a ausência é sentida na pele, em cada pedacinho do corpo. Outras vezes,
a alegria e a lembrança dos bons momentos nos abraçam e a sensação de conforto
parece nos embalar. E eu sei que em algumas datas ela sempre aparece e por isso
achava que estava preparada pra um e pra outro, nos dias marcados que acostumei
a esperar a saudade chegar.
Dia das mães. Aniversários –
meus, dela, da despedida. Grandes mudanças, pro bem ou pro mal, nas conquistas
e nas derrotas. Nessas datas eu sempre respiro fundo e me visto com a saudade
que sempre chega de mansinho, lembrando que já não existe nem o colo de consolo
nem o abraço de vitória. E a saudade parece com um vestido de saia rodada,
cheio de cores e movimento e vesti-lo pode ser bonito, mesmo quando é triste,
mesmo quando chove. Pode ser bonito porque ele não tem só dor e sofrimento: ele
vem repleto também das lembranças dos bons momentos, pela certeza das marcas
deixadas pela vida. Pode ser bonito porque dependendo do movimento que a gente
faz as cores mais alegres ficam por cima e o movimento da saia faz a gente
parecer livre e leve, com um sorriso meio bobo e também porque depois que você
usa muito a saudade você sabe o que nela te faz melhor e se aproveita disso.
Eu aprendi a esperar a saudade
chegar com hora marcada. Mas a saudade não aprendeu a chegar só nas horas que
eu marquei.
A saudade faz questão de chegar
de repente, sem aviso, no começo de uma semana qualquer. Quando a gente pensa
que a vida seguiu seu curso e começa a parecer que só temos o futuro, quando a
gente acha que aprendeu a viver com aquela ausência, a saudade vem e mostra que
as coisas não são fáceis, assim. E, quando vem desse jeito, a saudade não se
anuncia: já acordo completamente tomada por ela. Cada gesto, cada movimento, cada
tudo é motivo de lembrança e cada lembrança parece envolta em uma fina névoa. Os
projetos, as lembranças doces dos últimos acontecimentos, os problemas
cotidianos, as tarefas, as vontades, os medos, os sonhos, tudo fica em segundo
plano.
Hoje eu até procurei outros
vestidos. Vesti paixonites, sorrisos, confusões, ideias, obrigações... mas no fim,
me convenci que nada ia ficar tão bom: hoje eu estou inteiramente vestida de
saudade.