A história quase todos já conhecem: uma fábrica foi trancada e colocaram fogo; lá dentro havia muitas mulheres que reivindicavam seus direitos e que por isso morreram queimadas. Anos depois, sugeriu-se tratar esse evento como símbolo da luta pelos direitos das mulheres e instituir o dia 08 de Março como o dia Internacional das mulheres, dia de lembrar das lutas que já travamos e daquelas que ainda nos falta travar, e de quantas já deram a vida – de dezenas de formas possíveis – para que pudéssemos estar onde estamos hoje. Conquistamos muito, e muito mais há para fazer: isso que esse dia deveria nos lembrar.
Como qualquer data comemorativa, no capitalismo essa data transformou-se em uma marca de consumo: dê presentes às mulheres de sua vida. Flores, principalmente. E li um texto belíssimo que diz que não queremos a flor e todos os símbolos que ela trás, não queremos ser reduzidas a isso, queremos ser mais queremos ser tratadas com respeito. Mas o que mais me chamou a atenção foram alguns comentários que diziam que era exagerada tal manifestação, inclusive um que dizia que a mulher receber menos pelo mesmo cargo era justo já que os homens seriam “naturalmente” mais centrados enquanto nós estamos sempre pensando em outras coisas – filhos, TPM, sei lá mais o que – e que, portanto, não poderemos ser tão eficientes quanto eles. Tive uma reação que foi do completo horror (como assim? Essa mulher tá falando que a biologia comprova que somos inferiores?) passando pela vergonha (e isso vindo de uma mulher, que resolve assumir sua suposta inferioridade, ou como ela afirma, sua incapacidade em determinados setores!) até que chegou ao entendimento: o de que ainda há muito a se fazer.
Eu não sou feminista. Concordo que há poucas coisas tão machistas como o feminismo; afinal, a mulher em alguns momentos teve que deixar de ser mulher para mostrar que não era inferior e no fim das contas só mostrava que nós, mulheres, podemos ser homens. Reconheço toda a importância desse movimento, penso que foi extremamente necessário e nos trouxe magníficos avanços; mas penso também que o momento agora é outro. É o de se saber diferente e justamente por isso ser respeitada. Eu posso vestir saia e ser uma profissional excelente. Eu posso usar maquiagem e não ser submissa. Eu posso ser dona de casa e não ser tratada como inferior, ou como alguém que não faz nada. Eu posso querer não ter filhos e não ser menos mulher por isso. Eu não sou superior aos homens; mas eles também não são a mim!
Tem gente que acha que são desnecessárias essas medidas, esses discursos. Já vi até dizerem que ‘conquistamos nosso espaço’. Discordo. Acho que é uma luta que a gente tem que travar todos os dias. Já ganhamos muita coisa, mas ainda vivemos em um mundo machista, patriarcal, opressor. E o que é pior, agora é cercado de uma opressão velada, contra a qual é muito mais difícil de lutar. É aquela disfarçada em piadinha, e ai de quem se ofende! Afinal, você não sabe nem brincar? São as coisas que são tão cotidianas que nem nos atentamos que é preconceito (como o famoso “filho da puta”; por que ofender a mãe, e não a pessoa? É quase como se disséssemos “tudo bem, foi sua mãe que não soube te educar e por isso você é assim”...). São as mulheres que tem que fazer jornada dupla, tripla, porque apesar de trabalharem fora as responsabilidades domésticas nem sempre são divididas, como se nos dissessem “tudo bem, você pode brincar de ser o que quiser lá fora, desde que você cumpra as suas obrigações de cuidar da casa, do marido e dos filhos quando chegar. E se seu filho arrumar confusão ou não se sair bem na escola, se sua filha engravidar, se seu marido ir com uma roupa mal-passada ao trabalho a culpa vai ser toda sua!”. Isso não é igualdade. Na minha família as coisas, felizmente, não eram assim. Minha mãe é o maior exemplo que eu tive na vida, que me ensinou muito sobre o que é ser mulher. Ensinou a cuidar, mas não ser submissa; a me doar, mas não levar desaforo pra casa; a ser intensa e passional, e que isso não significa perder a razão. Ela me ensinou sobretudo que não existem lugares pré-definidos para mim. Talvez por isso eu ache tão ofensivo cada vez que eu me confronto com situações em que essa suposta inferioridade é tomada como princípio.
Eu já tive medo por ser mulher, quando andava na rua e um homem disse que “assim que é bom, nem dá trabalho porque é só levantar o vestido”. Eu já atravessei a rua com medo de passar na frente de uma construção. Eu já quase morri de raiva ao levar uma cantada barata de um superior hierárquico e perceber que o melhor era me fazer de desentendida. Eu já fui chamada de vagabunda pelas costas. Eu já tive que ouvir que deveria estudar menos porque ‘homem não gosta de mulher inteligente’ e que eu deveria realmente me preocupar senão eu ‘ia ficar pra tia’. Eu já ouvi que devia beber menos porque mulher não devia fazer isso. Eu já tive vergonha do meu corpo. Eu já me senti gorda e feia (e às vezes ainda sinto!) por não estar dentro de um padrão irreal de beleza. Eu já ouvi que tinha que ‘me cuidar mais’ por não ser magra. Eu me indigno com piadinhas do tipo ‘todos os outros dias são dos homens’, principalmente porque sei que elas têm um fundo de razão em um mundo em que ser mulher é motivo de preconceito. E, apesar dessas coisas, o que mais me machuca é saber que isso é ínfimo perto do que milhares de mulheres passam todos os dias, perto das situações de violência, dos crimes, das humilhações, das exigências irreais que só servem para sustentar o machismo.
Eu não acho que devemos apenas comemorar o dia da mulher, mas lembrar de continuar a luta pelo direito à diferença. Eu sou uma mulher que gosta de usar vestidos e maquiagem, que gosta de cozinhar, que na maior parte das vezes está com a unha feita e o cabelo arrumado, mas que não quer de forma alguma ser resumida a isso. Eu sou uma mulher que sonha, que tenta lutar, que é sensível (e até um pouco chorona) e tem lá seus momentos de carência, e que não quer ter vergonha de ser assim. Eu quero poder andar sozinha na rua sem receio de ser tratada como um objeto, ou de ser vítima de violência. Eu gosto de ser cuidada não porque não tenho capacidade de seguir sozinha, mas porque é mais fácil quando a gente tem com quem dividir os problemas e também as alegrias, as conquistas. Eu gosto de ser elogiada, mas ser tratada como um objeto sexual não é elogio. Eu não quero ser um homem. Eu gosto de ser mulher. Mas o que eu realmente quero é ser uma mulher que não tenha medo ou vergonha, que não se sinta inferior por ser o que é.
Como qualquer data comemorativa, no capitalismo essa data transformou-se em uma marca de consumo: dê presentes às mulheres de sua vida. Flores, principalmente. E li um texto belíssimo que diz que não queremos a flor e todos os símbolos que ela trás, não queremos ser reduzidas a isso, queremos ser mais queremos ser tratadas com respeito. Mas o que mais me chamou a atenção foram alguns comentários que diziam que era exagerada tal manifestação, inclusive um que dizia que a mulher receber menos pelo mesmo cargo era justo já que os homens seriam “naturalmente” mais centrados enquanto nós estamos sempre pensando em outras coisas – filhos, TPM, sei lá mais o que – e que, portanto, não poderemos ser tão eficientes quanto eles. Tive uma reação que foi do completo horror (como assim? Essa mulher tá falando que a biologia comprova que somos inferiores?) passando pela vergonha (e isso vindo de uma mulher, que resolve assumir sua suposta inferioridade, ou como ela afirma, sua incapacidade em determinados setores!) até que chegou ao entendimento: o de que ainda há muito a se fazer.
Eu não sou feminista. Concordo que há poucas coisas tão machistas como o feminismo; afinal, a mulher em alguns momentos teve que deixar de ser mulher para mostrar que não era inferior e no fim das contas só mostrava que nós, mulheres, podemos ser homens. Reconheço toda a importância desse movimento, penso que foi extremamente necessário e nos trouxe magníficos avanços; mas penso também que o momento agora é outro. É o de se saber diferente e justamente por isso ser respeitada. Eu posso vestir saia e ser uma profissional excelente. Eu posso usar maquiagem e não ser submissa. Eu posso ser dona de casa e não ser tratada como inferior, ou como alguém que não faz nada. Eu posso querer não ter filhos e não ser menos mulher por isso. Eu não sou superior aos homens; mas eles também não são a mim!
Tem gente que acha que são desnecessárias essas medidas, esses discursos. Já vi até dizerem que ‘conquistamos nosso espaço’. Discordo. Acho que é uma luta que a gente tem que travar todos os dias. Já ganhamos muita coisa, mas ainda vivemos em um mundo machista, patriarcal, opressor. E o que é pior, agora é cercado de uma opressão velada, contra a qual é muito mais difícil de lutar. É aquela disfarçada em piadinha, e ai de quem se ofende! Afinal, você não sabe nem brincar? São as coisas que são tão cotidianas que nem nos atentamos que é preconceito (como o famoso “filho da puta”; por que ofender a mãe, e não a pessoa? É quase como se disséssemos “tudo bem, foi sua mãe que não soube te educar e por isso você é assim”...). São as mulheres que tem que fazer jornada dupla, tripla, porque apesar de trabalharem fora as responsabilidades domésticas nem sempre são divididas, como se nos dissessem “tudo bem, você pode brincar de ser o que quiser lá fora, desde que você cumpra as suas obrigações de cuidar da casa, do marido e dos filhos quando chegar. E se seu filho arrumar confusão ou não se sair bem na escola, se sua filha engravidar, se seu marido ir com uma roupa mal-passada ao trabalho a culpa vai ser toda sua!”. Isso não é igualdade. Na minha família as coisas, felizmente, não eram assim. Minha mãe é o maior exemplo que eu tive na vida, que me ensinou muito sobre o que é ser mulher. Ensinou a cuidar, mas não ser submissa; a me doar, mas não levar desaforo pra casa; a ser intensa e passional, e que isso não significa perder a razão. Ela me ensinou sobretudo que não existem lugares pré-definidos para mim. Talvez por isso eu ache tão ofensivo cada vez que eu me confronto com situações em que essa suposta inferioridade é tomada como princípio.
Eu já tive medo por ser mulher, quando andava na rua e um homem disse que “assim que é bom, nem dá trabalho porque é só levantar o vestido”. Eu já atravessei a rua com medo de passar na frente de uma construção. Eu já quase morri de raiva ao levar uma cantada barata de um superior hierárquico e perceber que o melhor era me fazer de desentendida. Eu já fui chamada de vagabunda pelas costas. Eu já tive que ouvir que deveria estudar menos porque ‘homem não gosta de mulher inteligente’ e que eu deveria realmente me preocupar senão eu ‘ia ficar pra tia’. Eu já ouvi que devia beber menos porque mulher não devia fazer isso. Eu já tive vergonha do meu corpo. Eu já me senti gorda e feia (e às vezes ainda sinto!) por não estar dentro de um padrão irreal de beleza. Eu já ouvi que tinha que ‘me cuidar mais’ por não ser magra. Eu me indigno com piadinhas do tipo ‘todos os outros dias são dos homens’, principalmente porque sei que elas têm um fundo de razão em um mundo em que ser mulher é motivo de preconceito. E, apesar dessas coisas, o que mais me machuca é saber que isso é ínfimo perto do que milhares de mulheres passam todos os dias, perto das situações de violência, dos crimes, das humilhações, das exigências irreais que só servem para sustentar o machismo.
Eu não acho que devemos apenas comemorar o dia da mulher, mas lembrar de continuar a luta pelo direito à diferença. Eu sou uma mulher que gosta de usar vestidos e maquiagem, que gosta de cozinhar, que na maior parte das vezes está com a unha feita e o cabelo arrumado, mas que não quer de forma alguma ser resumida a isso. Eu sou uma mulher que sonha, que tenta lutar, que é sensível (e até um pouco chorona) e tem lá seus momentos de carência, e que não quer ter vergonha de ser assim. Eu quero poder andar sozinha na rua sem receio de ser tratada como um objeto, ou de ser vítima de violência. Eu gosto de ser cuidada não porque não tenho capacidade de seguir sozinha, mas porque é mais fácil quando a gente tem com quem dividir os problemas e também as alegrias, as conquistas. Eu gosto de ser elogiada, mas ser tratada como um objeto sexual não é elogio. Eu não quero ser um homem. Eu gosto de ser mulher. Mas o que eu realmente quero é ser uma mulher que não tenha medo ou vergonha, que não se sinta inferior por ser o que é.